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A Enterolobium Contortisiliquum Que Tocou Minh'alma Categorias:
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Estava andando pelas ruas de Curitiba, meio que perdido e sem rumo, tentando encontrar sentido nalguma coisa para além do sofrimento que vivenciava naquele instante. Nós (família) viemos pra base missionária de Curitiba com a finalidade de resolvermos uma questão muito delicada, cujo desfecho foi diferente daquilo que esperávamos, de certa forma frustrando nossas expectativas com relação às possibilidades de resolução e avanço para uma nova fase ministerial. A minha dor tensionava e concentrava-se num questionamento constante concernente a minha postura, perguntando pra Deus se tinha agido certo, tentando racionalizar a dor e as previsíveis conseqüências.

Nesse ínterim fui me aproximando do prédio da Universidade Federal da cidade, caminhando pela 15 de Novembro, sempre atento as belezas da arquitetura de época e seu estilo, que dá um ar europeu à cidade. Avistei nas escadarias um coral de jovens/adolescentes tomando forma pra apresentação que se seguiria. Caminhei na direção da pequena aglomeração de pessoas que se ajuntavam pra assistir à apresentação, no afã daquilo que talvez pudesse ser considerado o melhor lugar para vislumbrar aquele espetáculo. Como estávamos em campo aberto, tendo como retaguarda uma linda e grande praça, a busca de lugares era nitidamente desnecessária.
Foi quando comecei a ouvir as melodias, sons e tons que atravessavam o ar, vibrações de músicas que entrecortavam a alma, misturando-se a sentimentos e emoções latentes, tudo se impondo a mim com uma beleza inquestionável. Interpretar aqueles momentos traduzindo-os em palavras se tornou um desafio sem precedentes, pois a mistura de clássicos sacros com contemporâneos e o pupurri de música popular eram o suficiente pra silenciar os maiores dos eruditos. Num êxtase de gozo e dor, afastei-me desapercebido das pessoas, para chorar às lagrimas que pulsavam aos tons mais fortes da música. Na trajetória escolhida passei por uma mulher que me olhava com encanto, como que se quisesse meu corpo junto ao seu, desde que lhe pagasse pelo preço de sua hora. A dor se intensificou…
Tentava me refazer, atravessando a praça escondendo dos olhares, com vergonha desmedida de mim mesmo mediante o belo. As sensações que tinha eram múltiplas, me fazendo recordar a fábula da bela e a fera, que no caso em questão sentia-me possuído pela fera, que de tão doce que era defendia-se com a expressão de sua feiúra. Na verdade sentia-me um monstro, alguém que buscava a verdade dentre as falsas e relativas conjecturas humanas, tentando metamorfosear a dor e a forma que tomava minha alma, diante do turbilhão de emoções que quase me deixavam sem ar. Parei próximo a um ponto de táxi, me refiz das lagrimas, e segui em direção a Livraria Curitiba. Entrei, comprei meu bloco de anotações, companheiro inseparável de todos os dias, e vagarosamente retornava na direção do prédio da faculdade.
Antes de chegar, num súbito instante, fui abordado por um senhor que entregou nas minhas mãos uma caixinha. Peguei quase que sem olhar o que era. Permanecia anestesiado com a música, embevecido com a riqueza daqueles momentos, quase que esquecido da minha dor. Para minha tristeza a apresentação terminara!!! Estava voltando pra 15 de Novembro quando uma voz suave sussurrou: “volte, pegue mais duas caixinhas, uma pra cada um de seus filhos, pra eles cuidarem”. Procurei alguém próximo de mim, que pudesse ter me dito tais palavras, até entender que era o Espírito Santo. Foi aí que olhei pra caixinha e vi no seu exterior que eram sementes de uma árvore!!! A Enterolobium Contortisiliquum, vulgarmente conhecida como Tamboril.
Voltei meio que sem jeito e pedi, assim como havia ouvido, duas caixinhas a mais, para cada um de meus filhos. A moça prontamente me atendeu. Curioso, abri uma das caixas, pra visualizar o conteúdo. Havia um vasinho, um pouquinho de terra num saquinho e duas sementes, com instruções de plantio/replantio. A semente… a terra… o vaso… as instruções. Lembrei-me da semente da palavra que germinou na minha vida… da terra empedernida que a semente encontrou, lutando para ultrapassar os cascalhos e encontrar um ponto de fecundação, para assim poder germinar… o vaso de precioso conteúdo que precisava (precisa) ser repetidamente remodelado, trincando e outras vezes até rachando, na tentativa de ser moldado para o conteúdo… e as preciosas instruções que deixavam claro todos os cuidados necessários pra planta vingar e ser transportada do pequeno vaso, na busca de novas terras pra distribuir sementeira, às vezes na caca dos pássaros, no soprar dos ventos, na semente presa à sola do sapato…
Deus estava falando comigo…
O convencimento, os meus atropelos diante do novo caminho, a conversão, o primeiro amor, as múltiplas formas de manifestação do divino, o ajuste dos meus muitos desajustes, o chamado missionário, a disposição pro serviço, a compreensão de que um dos princípios básicos do reino é a multiplicação. Toda minha trajetória veio a mim como uma enorme tela branca, projetando às nuances da vívida história que escrevi nestes anos de erros e acertos, de aprendizado solo e conjunto, de um ser que se deu a conhecer muito a quem da tenebrosa e sufocante religiosidade. E assim eu continuava à minha caminhada, vislumbrando pequenas flores, os vastos e ordenados canteiros, detalhadamente preparados por paisagistas, distribuídos pelo centro da cidade, proporcionando um agradável trajeto. Ao mesmo tempo aquela beleza toda me constrangia, não sei porquê, uma vez que o belo sempre me atraía.
Pareceria que as flores me diziam algo, como que da minha feiúra interna, doendo aos meus olhos tamanha beleza diante da minha insignificância, fazendo-me chorar. Depois de atravessar àquele prazeroso e ao mesmo tempo doloroso trajeto, segui pela boca maldita (lugar onde as pessoas se reúnem pra beber e comer, bem como falar da vida dos outros…), talvez me sentindo tão maldito quanto, quando ouvi uma música sendo tocada com acordeom e uma mulher junto com sua filha cantarolando-a : “então minh’alma canta a ti senhor, grandioso és tu, grandioso és tu…”, fazendo-me compreender a grandiosidade daqueles momentos. Estava na direção do ponto de ônibus e mais uma vez salta de súbito aos meus olhos e nitidamente compreensível aos meus ouvidos a figura de um casal de cegos, fazendo coro sertanejo de uma música que não consigo me lembrar, mas as frases daquela pobre mulher jamais serão esquecidas, quando dizia na forma de oração: “Pai, cuida de mim, pois sou tão frágil e pequenino…”.
Aquilo penetrou minh’alma, perfazendo um quebra-cabeça, que montava uma verdade revelada, na harmoniosa melodia do coral… nas sementes…. na beleza das flores…. na música acompanhada pelo dueto solitário de mãe e filha… e daquele casal de cegos que enxergam a vida nas mais belas perspectivas, pois evocam vida a partir do toque da alma. Deus estava me carregando no colo naquele momento, se dando a conhecer nas pequenas e grandes coisas, naquilo que achamos corriqueiro e muitas vezes sem importância, me dizendo que tudo o que sentia é inerente de minha humanidade, que meus prumos estavam sendo balizados pela semente germinada e enxertada na videira verdadeira, que a minha busca era sincera e cheia de verdade, que minha alma precisava se aperceber de sua grandeza, e que apesar da minha fragilidade e pequenez Ele cuidava de mim.
Peguei as caixinhas e coloquei na mala, garantindo que estariam comigo quando chegasse em Guarulhos/SP, consciente do significado daquelas sementes e do ato profético que se seguiria ao seu plantio/replantio. A pergunta que não quer calar é quando vamos nos dar conta de que Deus está falando conosco através das maravilhas de sua criação, da poética criadora que permeia nossa vertente como co-criadores, no canto que encanta, no detalhe da pétala de uma flor, nos cegos que enxergam para além da alma….
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