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Berlim, 20 anos depois Categorias:
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Claudia Pires é uma paraense já há alguns anos servindo na Alemanha. É uma destas pessoas muito diligentes em tudo o que faz. Fez sua ETED no Brasil, integrando a primeira Equipe enviada de Fortaleza,CE para a China, em 2004. Depois de outras andanças, conheceu a Berlim pós-unificação e de lá conta pra nós um pouco do seu trabalho e desafios nesta grande metrópole.

JOCUM – Como você envolveu-se em Missões, há quanto tempo está na Alemanha, e por que Berlim?

Claudia – Eu comecei a me envolver com missões através de King’s Kids. Aos 17 anos fui pra uma campanha de verão e Deus falou comigo claramente sobre dar minha vida por amor a Ele e a outras pessoas, e eu topei. Desde então, eu sabia que seria uma missionária, mas não tinha muita ideia de quando seria isso ou como. O envolvimento com King’s Kids durou alguns anos, e com o relacionamento acabei me envolvendo também com outros ministérios de JOCUM na base de Belém, minha cidade. Um desses ministérios era o de Intercessão, e quando eles organizaram uma viagem de intercessão pra Europa (Itália), em 2001, me convidaram, foi a primeira vez que percebi a necessidade espiritual da Europa. Alguns anos depois fiz minha Eted em Fortaleza e fui à China para o tempo prático. Naquela época eu pensava que tinha chamado pra China, mas Deus me falou nessa viagem que eu não deveria focar em uma só nação. Então eu sosseguei e voltei pra casa. Após alguns anos resolvi fazer uma escola de cosmovisão cristã na Romênia, e meu foco se voltou de novo pro continente. Após a escola, senti que Deus estava me direcionando pra ficar na Europa e trabalhar com o impacto evangelístico que a JOCUM estava organizando pra Copa do Mundo de 2006 e talvez ficar algum tempo a mais por lá, servindo na escola de cosmovisão cristã que uma das bases alemãs oferecia. Eu havia estudado alemão na universidade, porque pensava em fazer um mestrado no país. Quando cheguei aqui vi a necessidade do país: as feridas causadas pela história, a necessidade de uma nova identidade nacional, a busca da juventude por sentido. Também vi o chamado da Alemanha para determinar novos rumos na história: desempenhando um papel decisivo na derrubada do Império Romano, mantendo certo senso de unidade na Europa Medieval, sendo berço da Reforma Protestante, participando do movimento de missõs modernas e influenciando o avivamento através dos Morávios, causando a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais. Em suma, quando a Alemanha faz alguma coisa, é pra causar um impacto profundo em escala global, e isso é um dom de Deus pra ser usado pra glória d’Ele. E eu creio que Deus me trouxe aqui pra de alguma maneira influenciar esse lugar de influência. Por que Berlim? Berlim é uma das cidades mais fascinantes do mundo devido à sua história e por ter sido literalmente dividida pelas ideologias em conflito durante a Guerra Fria. A máxima de que “ideias tem consequências” é comprovada aqui dia após dia pela arquitetura, pela mentalidade e comportamento das pessoas, pelos serviços públicos, pela atitude (ou falta de atitude) perante a vida, pela confissão religiosa (51% dos habitantes da cidade se dizem ateus). Além disso, Berlim é a capital de um dos países mais ricos e influentes do mundo, onde as decisões afetam muitas nações. Após tantos anos de divisão e destruição, Berlim precisa ser restaurada e transformada, e só a verdade libertadora do Evangelho pode fazer isso. Meu desejo é poder contribuir pra isso.

JOCUM – Qual sua formação e área de trabalho?

Claudia – Eu sou professora de História e historiadora por formação, e isso é bem relevante pra trabalhar na área de cosmovisão cristã bíblica. Além de ensinar nessa área em diferentes escolas da Universidade das Nações na Alemanha e Europa quero poder estudar mais a Bíblia e a sociedade para assim desenvolver estratégias de como o Reino de Deus pode alcançar as diferentes esferas da sociedade. Meu sonho é discipular profissionais cristãos para que eles alcancem seus campos de trabalho e assim transformem sua realidade, sendo sal e luz para as pessoas e esferas em que estão envolvidos. No momento, estamos ainda no processo de pioneirismo da base em Berlim o que significa que eu faço de tudo um pouco…

JOCUM – Como o povo alemão lida com as memórias das guerras do último século?

Claudia – As memórias da guerra são ainda muito presentes. Só vindo aqui se pode perceber a influência e o peso que a história de um povo tem sobre ele. A geração pós-guerra cresceu em sua maioria sem pai, pois a maioria dos homens morreu no conflito. As mulheres tiveram que ser fortes, tanto pra manter e conduzir famílias, quanto pra sobreviver dos traumas de terem sofrido estupros e abusos de todo tipo (só na cidade de Berlin, 7 em cada 10 mulheres foram estupradas na época da rendição). Além disso, a vergonha de ter abrigado o nazismo, o sentimento de terem sido enganados e levados a ruína por Hitler, o medo de repetir os mesmos erros, tiveram um forte impacto sobre o povo. A grande maioria do povo, principalmente os mais jovens, não se orgulha de serem alemães, e tem o desejo de sair do país. Existe uma tolerância enorme com tudo, devido ao medo de repetir as atrocidades do nazismo, e qualquer tipo de crítica a um grupo social é percebida como perigosa. Por exemplo, quando uma Igreja Luterana ofereceu um workshop num congresso de jovens sobre “recuperação de homossexuais” foi criado um problema nacional, onde muitos acusaram os cristãos de intolerância. Além disso, a maioria da população das nações vizinhas não tem muita simpatia pela Alemanha, por causa dos abusos dos tempos passados. Enfim, ainda tem muito dever de casa pra vencer os traumas da guerra…

JOCUM – Depois de 20 anos da queda do Muro, quais as marcas visíveis que os anos da cortina de ferro deixaram no país?

Claudia – A herança da cortina de ferro é visível. O leste alemão ainda tem muita pobreza, e a mentalidade de dependência do Estado. Nessa área, o povo tem uma atitude mais negativa em relação à vida, o valor pelo indivíduo é bem menor, o que se reflete no péssimo atendimento ao cliente na maioria dos estabelecimentos, no tratamento dado aos alunos em escolas públicas, na dinâmica das famílias, que muitas vezes ameaçam os filhos mal-comportados de colocá-los no Kinderheim (tipo de “reformatório”), na maneira como as pessoas tratam umas às outras. O oeste é o clássico país capitalista pós-cristão, com muitas pessoas vivendo pra seu próprio bem-estar e sem alvos maiores do que sua própria prosperidade e confortos pessoais. A palavra de ordem no geral é Tolerância, o que torna difícil confrontar erros, como no exemplo que citei acima. Apesar dessas coisas, a igreja no oeste é grande, e muitas congregações são ativas em evangelismo e tem certa influência na sociedade.

JOCUM – A Igreja Alemã é também conhecida por suas ligações com os movimentos de oração e missões no século XVI. Hoje, qual é a realidade da Igreja Cristã na Alemanha? O que foi feito deste espírito missionário e reformador?

Claudia – A igreja alemã é um mosaico… as maiores são a Igreja Protestante (Luterana) e a Católica. Num país que passou pela Reforma, o Catolicismo adquiriu um perfil muito menos supersticioso do que o que a gente conhece na América Latina, e muitas igrejas católicas tem experimentado um mover novo de Deus, através de movimentos de oração e intercessão. Não é muito divulgado, mas o processo que culminou com a queda do muro de Berlin começou com vigílias de oração na Nikolai Kirche em Leipzig, lideradas por católicos, que resultaram nas marchas de paz em Outubro de 1989. A igreja Luterana é muito diversificada, tendo umas congregações onde o pastor é ateu e a igreja é cheia de gente idosa, bem devagar, e outras comunidades cheias de jovens e atividades missionárias. Também existem muitas igrejas independentes, pentecostais ou carismáticas, que tem crescido nos últimos anos, e se alinhado aos movimentos avivalistas internacionais. Aos poucos os alemães tem se tornado mais conscientes da herança dos Morávios e dos reformadores, e os cristãos tem buscado novamente em Deus esse espírito. A base da JOCUM em Herrnhut, onde viveram Zinzendorf e os Morávios, é uma das maiores bases missionárias da Alemanha e muita gente vai pra lá interessado nessa história. Nos últimos anos a igreja em geral tem buscado reviver essa herança através de mais iniciativas evangelísticas e tem havido um movimento bem consistente de oração pela nação e por avivamento.

JOCUM – Na sua opinião, qual é o maior desafio do movimento missionário na Alemanha de hoje?

Claudia – Desafios… bom, isso é o que mais tem… primeiro, penso que a igreja deve mudar sua perspectiva, muitas igrejas se veem só como um lugar de comunidade, e comunidade é algo necessário aqui, mas a igreja também é mais que isso. Penso que a igreja alemã precisa se entender enquanto missão pra esse país e essa sociedade. No momento em que isso acontecer, e cristãos viverem na perspectiva de “Como viver o Reino de Deus aqui e agora?” esse país muda! E acho que como fruto disso, a gente vai ver um número maior de alemães indo aos confins da Terra como missionários. Em geral, alemães adoram viajar, amam lugares remotos e culturas diferentes e têm uma paixão por ser úteis e servir nesses lugares. Além disso, fora da Europa, alemães tem boa aceitação em muitos países, inclusive todo o Oriente Médio, e através de negócios podem entrar em qualquer lugar. Um outro desafio é o de alcançar a população imigrante que mora aqui. Berlim é a terceira maior cidade turca do mundo, e muitos cristãos se deixam tomar pelos preconceitos e medos que afligem o resto da sociedade, e evitam os imigrantes. Penso que é uma oportunidade única, ter o mundo todo aqui na sua porta, e poder pregar livremente pra eles, e a igreja tem que levar isso a sério.

JOCUM – Quais são as opções práticas de envolvimento para quem deseja servir em Missões na capital alemã?

Claudia – Pra servir em missões aqui de maneira prática, se começa orando… é incrível o peso espiritual com que a gente luta todo dia aqui. Segundo, temos Escola de Treinamento e Discipulado (ETED) planejadas pra Janeiro e Setembro de 2010, qualquer pessoa com inglês ou alemão fluente pode participar. Fora da JOCUM existem muitas iniciativas de implantação de igrejas em Berlim, e todas clamam por missionários e evangelistas. Também nos meses do verão europeu recebemos muitas equipes de todo mundo, interessadas em oportunidades de curto prazo para evangelização e serviço na cidade. Se alguém quiser vir com uma equipe próximo ano, é só entrar em contato com a gente, já tivemos algumas equipes de King’s Kids do Brasil, e foi muito legal!!

JOCUM – Que conselhos você dá a quem inicia agora a jornada missionária?

Claudia – Muita gente pensa que vai um belo dia pegar o avião e ao pisar no campo missionário vai ver as coisas acontecendo magicamente, só porque tem um chamado; mas existe um preço alto pra pagar, em trabalho, oração, preparação e constante transformação no caminhar com Deus. Desenvolva seus dons, estude, aprenda, seja excelente! Procure crescer em seu relacionamento com Deus, tente diferentes ministérios, descubra o que você ama fazer, e faça coisas que não gosta tanto, pra aprender e pra servir os outros. Sirva sem esperar recompensa! Não deixe nada nem ninguém ficar entre você e Deus, faça de seu relacionamento com Ele uma prioridade, ouça-O e obedeça-O!! Aprenda a se relacionar com as pessoas!!! E coloque suas expectativas e frustrações não em pessoas, locais, organizações ou ministérios, mas só em Deus!

Para conhecer mais sobre o trabalho de Claudia e a respeito de oportunidades de ministério em Berlim, visite www.ywamberlin.org .

Por Adriano Estevam – Revisão : Lidiane Viana