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Chorando num casamento Categorias:
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Se crê que só mulheres choram em casamentos, algumas por pensar em algum amor impossível que não viveram, outras porquê constatam que a cada cerimônia dos outros, sua própria felicidade fica mais distante. Mulheres choram porquê são bobamente românticas, porquê são feitas de celofane cor de rosa-bebê, frágeis e etéreas. Se você for bom observador vai verificar que não é verdade. Homens também choram em casamentos. Alguns choram disfarçando, virando o rosto, pensando no futebol pra não alimentar a comoção. Outros choram um pouco mais claramente, mas ainda pretendendo manter aquela inoxidável frieza masculina diante das emoções.

Quero propôr que o choro nos casamentos não tem nada a ver com esta noção açucarada e superficial de romance. Se fosse mera sede de romance, em primeiro lugar, meu marido nunca teria chorado no último casamento que houve aqui em que ele, sendo o celebrante, chorava, abertamente, desavergonhadamente, apenas mordendo o canto dos lábios de vez em quando. É claro que ele não tem necessidade alguma de romance sendo eu a mulher mais romântica do mundo. Em segundo lugar homens não choram de maneira alguma quando, romanticamente, a heroína da novela das sete se casa num grand finale festivo com o primeiro cara que já morava com ela no início da novela, depois de ter dormido com todos os galãs disponíveis, e mais alguns outros que fizeram uma pequena participação especial apenas para dormir com ela. Como é possível que eles não se comovam com um casamento significativo destes? Totalmente incompreensível.

Não, chorar em casamentos não tem nada a ver com pieguices de Sabrinas e Biancas. Tem a ver com graça. A redundante graça imerecida de Deus, construção, esperança, vida nascendo, e claro, não me apedrejem, o romance sublime que a humanidade deseja ardentemente dentro de si, homens e mulheres. O desejo de ser amados por algum amor incondicional, total, comprometido, fiel, exclusivo, eterno, capaz de transformar o feio no belo, o indesejável e ridículo na mais desejada e elegante das prendas.

Foi assim um claro sentimento de graça que permeou uma cerimônia simples que tivemos há poucos dias. Ninguém tinha dinheiro, nem os noivos nem a comunidade, a coleta não rendeu nem quatrocentos reais completos. Os noivos vieram tristes à nossa casa, desistindo da festa, se conformando com uma simples cerimônia religiosa sem celebração. Podemos até cantar bastante, mas se não tem comida não é festa, acho que este é um sentimento universal. Queriam desistir da festa pela falta de comida.

Havia um outro fator desagradável também. Ambos vinham de casamentos fracassados. Apesar de felizes com a segunda oportunidade, de certa forma carregavam uma culpa teológica pelo fracasso e recomeço. Nem toda a comunidade estava certa de que era possível se recasar depois de um fracasso e ainda ter paz com Deus. Sem querer estabelecer este debate teológico interminável à custa da vida dos outros, tentamos lidar com o problema procurando saber das histórias de cada um, como chegaram a este ponto, o que os levou ao divórcio, o tipo de compromisso que tinham com Deus agora e um com o outro.

Sei que a história terminou em festa. Ninguém escuta vidas sem sentir dor. O quadro de ambos era um quadro de dor, de confusão e de anos de sofrimento silencioso. O rapaz, pai de dois filhos, terminou com seu primeiro casamento se entregando ao vício do álcool de maneira à perder tudo, emprego, casa, amigos, mulher, filhos. Virou vagabundo de rua e comeu lixo por alguns anos até se encontrar com Jesus e ser capaz de se reconstruir, peça por peça. Só a antiga família não pode se restabelecer, já tendo tomado outro rumo. A mulher veio de um casamento evangélico, com um homem, evangélico só no nome, que a tratava com violência e desrespeito. Ao invés de esperar o dia em que a pancada fosse tão forte que a acabasse por matar, se separou para criar a única filha batalhando só mas não mal acompanhada.

Naquela manhã de sol nos sentamos todos no auditório decorado, o pouco dinheiro rendeu e graças ao carinho multiplicador de Deus, e ao carinho da comunidade voluntária para fazer tudo desde cozinhar, confeitar bolo e até decorar, virou um super-almoço com bolo de casamento e sorvete no final. Reinaldo, o celebrante, sentou-se a conversar com a filha, esperando a noiva, atrasada por quase uma hora. A filha, jovem de dezenove anos, lhe contou de sua história de sofrimento com um pai irresponsável, e de ser criada pela mãe guerreira, que passou por fases de desespero, amargura, frieza, até naquela manhã de graça se reencontrar consigo mesma, mulher, aos trinta e oito anos, entrando depois de atrasar como toda noiva, bonita em seu vestido de brilhos.

O noivo não cabia em si de amor, e de orgulho humano-divino tendo reconstruído a si, seu destino, de homem de rua a missionário, encarregado por Deus de levar graça e esperança às comunidades ribeirinhas, e não só isto, mas agora visto por Deus como digno de começar uma nova família. A filha cantou uma música de louvor a Deus em homenagem à mãe, era a música que ela lhe cantava no dia a dia de sua dor, enquanto crescia sem pai. E a graça deste Deus de muito amor brilhou nos olhos de todos em forma de lágrimas.

Choramos numa constatação maravilhosa de que há esperança para tudo e para todos. Por isto digo que não só mulheres choram em casamentos. Creio que Deus também chora, de felicidade.

Bráulia Ribeiro
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