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Dignidade a preço de marmitex! Categorias:
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Se vocês me permitirem, vou lhes contar uma história verdadeira ocorrida comigo recentemente em pleno clima do Natal de 2009.

No último dia 22 de Dezembro, fui ao centro da cidade de Maringá-PR para fazer um depósito bancário e algumas comprinhas básicas de Natal. O vai e vem das pessoas enchia o Comércio e as calçadas. No ar, aquele clima natalino básico e tradicional. Apesar da familiaridade anual quase rotineira, parece que o coração da gente fica mesmo um pouco mais humano e sensível às necessidades alheias. Afinal, é Natal!

Amontoados em uma dessas calçadas, bem em frente a um restaurante de comida por quilo, pertencente a uma família de descendentes de imigrantes, deparei-me com uma família de sete pessoas da etnia indígena Kaigang (três jovens senhoras e quatro crianças) vendendo seus artesanatos e cestos de bambu.

Estava sozinho, já havia feito minhas tarefas e buscava alguma coisa para passar o tempo enquanto andava pelo centro esperando o momento de encontrar minha esposa e meus filhos, que perambulavam em algum outro ponto do centro. Como era hora do almoço, e, apesar de não estar com fome, resolvi convidar toda a família Kaigang para almoçar comigo naquele restaurante. Dei a notícia de que eram meus convidados e olhei nos olhos dos pequeninos para apreciar a reação. Um deles, sorrindo, me disse, enquanto segurava carinhosamente a mão “do estranho”, mas, aparentemente, bom homem:

― Posso pedir uma Coca Cola?

― Claro! – respondi, e perguntei em seguida:

― Você gosta de Coca Cola, é?

― Siiim! – respondeu ele sem titubear enquanto abria um grande sorriso.

Segurei firme a mão desse pequenino ao mesmo tempo em que adentrava o restaurante cheio de gente “fina” e me assegurava de que o resto do grupo venceria a evidente timidez e me seguiria.

Por se tratar de um sistema de self-service, eu me dirigi à fila, os posicionei e expliquei ao grupo o que fazer e fui falar com um dos proprietários, que estava na balança, informando que a despesa dos Kaigangs ficaria por minha conta.

Para minha surpresa e desapontamento, eu ouvi uma resposta inesperada para os dias de hoje. O proprietário, que, como já disse antes, é filho de imigrante, foi carinhosamente acolhido e abrigado por nossa terra e por nosso povo, disse-me, categoricamente, que não poderia servir os índios do lado de dentro do restaurante, em evidente preocupação com a clientela. Disse-me ainda que eu só poderia lhes servir marmitex para viagem.

Enquanto continha minha fúria interior, eu fingi não entender e lhe sugeri uma mesa mais ao fundo, para não perturbar ninguém. Novamente, o proprietário insistiu:

― Senhor, infelizmente, não posso fazer isso.

Foi então que olhei para a família Kaigang e os vi extremamente inquietos e constrangidos, como que querendo se esconder embaixo das mesas. Entre confortar os excluídos e “voar” no pescoço do proprietário, graças a Deus, eu resolvi conduzir o grupo, que agora saía do local mais rápido que havia entrado, pra fora do restaurante e posicioná-los de volta na humilhante calçada.

Pensei em “quebrar o barraco”, chamar a polícia, fazer um boletim de ocorrência, e até mesmo, levar meus convidados a outro restaurante, mas, não consegui engolir o descaso e a audácia racista e adentrei novamente para pedir os marmitex ali mesmo.

Lembrei-me de que Deus tem nos falado ultimamente sobre o aspecto educador da Graça, já que, sobre o aspecto Salvador, eu não conseguiria representar bem naquele momento. Resolvi investir na inversão de valores na vida do proprietário e lhe ensinar uma lição que espero ser de valia doravante.

Enquanto os marmitex eram preparados, fiz questão de confrontar o moço e de pedir capricho ao servir a comida sobre a ameaça de registrar uma queixa de racismo e de constrangimento público. “Nunca vi marmitex tão bem servidos“!

Durante minha ira, senti a visita do espírito Santo de Deus como que “compactuando” com minha indignação. Senti que, de alguma forma, ao me posicionar em favor daqueles ilustres desconhecidos, atraí a atenção do Pai para aquela situação ali naquele local.  Percebi claramente o zelo de Deus em ação, em meio a um processo vergonhoso e absurdamente injusto. Quase podia sentir no ar o “furor” de Sua indignação e o deslocamento de ar de “suas narinas”.

Meus amigos Kaigangs se foram levando consigo os seus marmitex, sua coca cola e a “vergonha de sua identidade”.

Naquele momento, tive vergonha de fazer parte do mundo “civilizado”.

Porém, voltei pra casa naquele dia um pouco mais crente e consciente da luta pela justiça e pela transformação. E, disposto a fazer valer o adágio popular de que “todo dia é dia de índio”, bem como, a abrir caminho e defender diante de Deus, nas circunstâncias da vida, os deixados de fora que vem de toda língua, povo e nação!

Sei que você também enfrenta situações de exclusão e racismo assim todos os dias pelas ruas por onde anda. Se juntos, atentarmos para o que é reto e justo, arregaçarmos nossa mangas, estendermos nossas mãos, alçarmos nossa vós, em nome de Jesus, poderemos mudar esse nosso mundo ironicamente “desumano” e com a graça de Deus, transformar alguns corações e mudar algumas atitudes.

Um 2010 ativo e reativo para todos vocês!

Wellington Oliveira
Presidente de Jocum Brasil