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Jocum vai envelhecer?? Categorias:
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Do tempo que JOCUM era uma “Caverna de Adulão: Uma bronca interna.

É sempre chato ficar pensando no que a gente era. O fato de que “éramos” significa que não somos mais. Mas, deixando de lado o desconforto, meditar no antes sempre ajuda no depois. Como dizem os Maoris da N.Zelândia, o caminho pra frente às vezes está atrás. É sabido e estudado que todos os movimentos missionários tem um tempo de vida limitado, crescem durante cerca de 25 anos depois estacionam. JOCUM tem quebrado este paradigma. Estamos vivos há quarenta anos e surpreendentemente ainda crescendo.

Mas não se para de crescer á toa, ou se continua crescendo por algum processo místico e inexplicável. JOCUM internacional fez uma decisão consciente de não se deixar enquadrar. De continuar sendo “doida” de continuar seguindo a Deus no que ele pedisse que fosse fora do convencional mesmo que isto ameaçasse sua reputação entre as igrejas. Loren principalmente, (nem todos os outros entendem com a mesma profundidade que ele todas as implicações disto) decidiu e criou espaço em sua liderança para os jovens e idéias novas, sem perder sua influência de pai.

Me preocupo com JOCUM no Brasil. Nossa tendência aqui é ser guiados por uma “gerontocracia” (grupo formado por pessoas da mesma geração, geralmente uma antes da atual) que cansou de errar tanto e que agora faz o possível para diminuir as possibilidades de erros, organizando e estruturando tudo dentro de um modelo que consideram possível. Ou seja, só se recebe pessoas nas ETEDs e escolas em geral que sejam bem crentinhas, que tenham recomendação de algum pastor, que não vão nos causar problemas, porque afinal não somos casa de recuperação nem depósito de lixo, somos uma MISSÃO. Até pessoas de dentro, de JOCUM, tentando fazer um curso entre uma base e outra discriminamos e deixamos de receber por esta ou aquela razão. Minha irmã deixou de ser aceita numa determinada escola, apesar de estar há anos em JOCUM só porque toma remédios controlados. Talvez isto para alguns seja em si uma razão para se sentir atemorizado, para tomar cuidado, para pensar em uma pessoa assim como um potencial de problemas que não queremos ter em nossas escolinhas perfeitas… Ai, em que mundo vivemos? Talvez alguns já foram para o céu onde tudo vai ser perfeito e eu não sei. Talvez seja só eu que viva em um mundo podre cheio de gente podre. Talvez seja só eu que creia que estamos aqui nós, igreja, como um grande centro de reciclagem de lixo, ou uma UTI espiritual gigante. E nós igreja móvel, JOCUM, mais ainda, teríamos que ser um grande centro de reciclagem de lixo e produção de arte, produção de novos destinos, produzir o belo do feio e do destruído…

Me lembro quando cheguei em Contagem a primeira vez. JOCUM era assim uma espécie de centro de reciclagem de pessoas das mais estranhas possíveis. Me incluo nesta turma Eu era uma jovem hippie que vivia de calças jeans sujas de barro e camisetas da feira da praça, com caras de roqueiros endemoninhados na frente. Meu cabelo não era penteado havia meses, porque minha própria mãe curtia o visual meio “dread”. Meu conhecimento bíblico era igual a zero, minha primeira Bíblia foi comprada para que eu fosse para a ETED, porque eles pediam entre os “itens necessários” do formulário, além de sabonetes, toalha e caderno…

Meu formulário deve ter sido uma loucura. Livro de cabeceira: “O capital de Karl Marx” (que na verdade eu lia sem entender), ou “A Náusea” de Sartre, que eu entendia bem e que era parte do meu sentir de adolescente em relação ao mundo, um dos dois. Música favorita: “Música de protesto latino-americana, rock etc.” Nada de hinos de louvor, nem Davi Silva. Passatempo preferido: “tomar uma cachacinha com os amigos” Acho que na época eles não liam formulários, ou quem sabe o meu era até o melhorzinho entre muitos.

Ouvi da Cleo e gostei: “A radicalidade não está no que vestimos ou deixamos de vestir, está na essência, na nossa capacidade de seguir sendo diferentes do mundo religioso que nos cerca e produzindo o que Deus quer quer, por mais estranho que pareça ser.” Éramos radicais naquela época porque não tínhamos modelo, não tínhamos forma, tudo o que tínhamos era a nossa obediência diária ao que o Pai dizia.

Críamos que a ETED na nossa mão era um instrumento poderoso de transformação de visão de mundo… Uma espécie de panacéia para todos os males. Se orava constantemente, antes durante e depois. A oração produzia os alunos, as mudanças neles, as curas a visão. Não era o programa em si o responsável pelo sucesso. Era o Senhor. Nosso principal instrumento para a transformação da tchurma que chegava, não eram preletores de renome, internacionais e nacionais, ensino de “qualidade” como alguns hoje costumam qualificar este ou aquele ensino, ou programas interessantes, recheados de passeios e agradinhos, ou bons discipuladores, ou um programa acadêmico organizado, com tudo planejado nos mínimos detalhes. Nosso instrumento era o que o Senhor fazia nas vidas. Quem passava por lá visitando por acaso, já era preletor, era tudo uma “Jesusicidência” serendípica que nos fazia achar o rumo… Discipulávamos uns aos outros sem muita hierarquia e sem perfeições religiosas. Estávamos todos começando. Errar era parte do processo. Tirava-se uma equipe do meio do teórico para pioneirar algum lugar isolado (aconteceu comigo), não nos deixávamos controlar por programas ou e não nos curvavamos à ditadura dos planejamentos cristalizados.

Não posso advogar que voltemos a ser o que éramos naquela fase quem sabe inconseqüente, quem sabe “imatura” de nossos primórdios jocumeirísticos. Mas o que fomos gerou o que somos hoje, a nossa variedade de ministérios, as bases espalhadas por todo o território nacional. O angu que se comia em Contagem, gerou mais de 40 bases espalhadas pelo Brasil hoje.

Me preocupo com o que o nosso jeito cauteloso e quarentão de ser vai produzir. Temos uma reputação a zelar, temos uma missão, uma organização para manter, não somos só um bando enlouquecido de jovens a tentar lutar contra o pecado e gerar a vontade de Deus no dia a dia, com fome, sem dinheiro, e muitas vezes sem noção do que o futuro iria nos trazer… Antes sem reputação, ninguém esperava nada de nós mesmo, quando por acaso acertávamos e nossas equipes se transformavam em benção apesar de seu jeitão maluco, ficávamos no lucro. Hoje, até pregar temos que pregar com cuidado o que todos querem ouvir, porque afinal temos uma reputação. Ah, a reputação é como uma bola de ferro acorrentada a nossos pés…

Outro dia falei a palavra cocô em uma igreja. O conselho da igreja se reuniu preocupado com nosso programa de treinamento porque tinham acabado de enviar um aluno para nós. “-Se esta mulher fala cocô no santo púlpito o que mais se fará na missão que ela dirige?” Coisas bem mais radicais, eu prometo. Falar cocô no púlpito não quer dizer absolutamente nada. Somos radicalmente santos por aqui, por isto amamos o pecador a ponto até de falar a sua língua e não o evangeliquês…

O fato é que envelhecemos. Envelhecemos se não nos arriscarmos mais. Deixaremos de comunicar com esta geração se não aceitarmos os tatuados e cheios de piercings, ou se os aceitarmos para transformá-los, cortando a ponte que eles tem com a geração deles. Envelhecemos se posamos como aqueles que sabem tudo e comandam tudo, como aqueles que devem ser os donos de todas as idéias e iniciativas, que temos os sonhos para que outros embarquem neles. Envelhecemos se não entendermos a diferença entre ser dono das coisas e ser pai. O bom pai solta seus filhos, deixa que encontrem seu destino. O pai possessivo e doente quer controlar cada minuto e cada decisão tomada por eles.

Bom, está dado o recado. Por enquanto é só um alerta, um chamado à razão. Vamos nos converter à novidade á flexibilidade, à visão que os mais jovens trazem até nós, Vamos nos desacorrentar de nossos programas perfeitos e bem estruturados. Se não o fizermos agora, daqui a poucos anos será tarde demais…

Bráulia Ribeiro